Mensagem: O Deus de
Texto Base: Ex 3: 1-16
Pregador: Pr. Luciano R. Peterlevitz
Data: 06/11/2011
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ESBOÇO DA MENSAGEM
Êxodo 3 é um texto que descreve a auto-apresentação de Deus para Moisés. Mas como Ele se apresenta? Ora, Deus é o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, o Deus de Jacó, o Deus do pai de Moisés, o Deus de Moisés. Deus é o Deus dos hebreus. Deus é o Deus de. Vejamos.
O Deus de: é o Deus que se vincula a alguém (v.1-6)
V.1: “monte de Deus, o Horebe”. O Horebe é outro nome do Sinai. No Antigo Testamento Deus se manifesta no monte Sinai: Ex 19-20 (dez mandamentos); 1Rs 19 (lugar de refúgio de Elias na hora da perseguição). Deus manifesta-se num lugar santo, na sarça ardente. Mas a ação do Senhor não se restringe a esse lugar. Pois Deus não se vincula a um lugar; Ele se vincula í s pessoas.
Deus é o Deus que caminha com as pessoas
Deus está no meio da sarça ardente, mas ao mesmo tempo Ele está com as pessoas. Ele é o “Deus do teu pai”; é o Deus de Abraão, o Deus de Isaque; é o Deus de Jacó (v.6). O texto destaca a dinamicidade de Deus; Ele viaja com seu clã. Deus está com um grupo. Veja Gn 12-25. Deus esteve com Abraão com ele saiu de Harã rumo í terra prometida.
Veja Gn 28.10-22 / compare com Gn 35.1-4. Deus esteve com Jacó quando ele saiu da terra prometida, e foi a Mesopotâmia, fugindo do seu irmão; Deus esteve com Jacó com ele saiu da Mesopotâmia e retornou í terra prometida. O Deus de Jacó é o Deus de. É o Deus que caminha com as pessoas.
Deus é o Deus que se revela pessoalmente a cada um
Deus não se revela a uma multidão. Ele se revela a alguém, pessoalmente. Deus chama as pessoas pelo nome, e se revela a cada de forma diferente. Por isso Ele é o Deus de Abraão; o Deus de Isaque; o Deus de Jacó; o Deus de Moisés; o Deus do pai de Moisés.
Assim, surge a inevitável pergunta: cada um de nós temos, pessoalmente, um relacionamento com Deus?
O Deus de: é o Deus que se auto-limita por amor
Deus é Poderoso. Mas Ele se auto-limita. Ele se identifica com as pessoas. Ele é o Deus do teu pai; o Deus de Abrão, Isaque, o Deus de Jacó. Deus não se envergonha de ser chamado o Deus dessa gente (Hb 11.16).
Existe uma maneira de Deus se apresentar: ele pode se manifestar como o Deus criador dos céus e da terra. Mas aqui em Êxodo 3 Ele se apresenta como o Deus de. É o Deus dos hebreus, dos escravos (3.18). Deus se auto-denomina como o Deus dos escravos! Quer maior auto-limitação do que essa? Ele é o Deus que se identifica com os escravos para libertar os escravos. No livro do Êxodo, Deus sempre se apresenta como “Eu sou o Senhor que te liberta” (veja 6.6; 20.2).
O Deus a-histórico entra na história, e participa da história daquela gente oprimida. Ao entrar na história, Deus se auto-limita. Só um Deus como o nosso Deus pode limitar-se, e continuar sendo o Deus Poderoso. Isso se evidencia nos v.7-22. O Deus de é o Deus que desce (v.7-22)
No v.7 há duas frases.
Realmente eu vi[1] a opressão[2] do meu povo que (está) no Egito,
e o clamor[3] deles eu ouvi diante das faces[4] dos seus opressores.
Na primeira frase destaca-se a expressão “realmente eu vi”, literalmente ” ver eu vi”. Deus vê cuidadosamente a “opressão”. É um ver que participa daquilo que vê. É um ver intenso, exato. Este é o ver de Deus. A ‘opressão’ é o rebaixamento físico, humilhação. Este termo está relacionado aos “oprimidos”, “pobres”, tão defendidos pelos profetas (veja por exemplo Am 2,6-8; Is 3,13-15!), pela lei (veja Êx 22,20 até 23,1-9). Deus é o Deus que contempla essa gente e participa das dores dessa gente.
Na segunda frase do v.7, o destaque é o “clamor”. Os escravos estão gritando “diante das faces dos seus opressores”, mas quem ouve os seus gritos é Senhor. Portanto, o “clamor” não é um grito passivo, incapaz de produzir efeito, antes, é um som ativo, que percorre um caminho bem especifico: um caminho que leva í libertação.
No v.8 há o detalhamento do ‘ver’ do v.7:
Eu desci para livrá-lo da mão do Egito,
e fazê-lo subir desta terra para a terra boa e vasta…
Há, no v.8, dois verbos: “descer” e “subir”. “Eu desci”, diz o Senhor. No caso, o Senhor desceu í terra da escravidão. O segundo verbo alude a Israel. Os escravos sobem para a terra boa e vasta porque Deus desceu para a terra da opressão.
Ou seja, o Senhor vai onde o povo oprimido está. Essa linguagem teológica aproxima-se da última afirmativa de 2,25: “conheceu/experimento Deus (os sofrimentos dos hebreus)”.
Deus desce í opressão; os escravos sobem í terra da promessa. Isso é um anúncio da cruz. É uma antecipação do que Cristo faria. Pois Cristo desceu í opressão, tomou nossas dores, participou dos nossos sofrimentos, para fazer-nos subir aos lugares celestiais. Veja Ef 1.3.
No v.9 a direção é invertida. Se no v.8 Deus ‘desceu’, agora é o ‘clamor’ que sobe a Deus:
E agora, eis que o clamor dos filhos de Israel veio para mim,
e especialmente[5] eu vi a opressão com que os egípcios os estão oprimindo.
O ‘clamor’ sobe a Deus e então Ele passa a ‘ver’. Portanto, o Deus de é o Deus que desce. E o clamor sobe! É um povo que clama, e quer ser ouvido. É o Deus que ouve, desce e vê, porque decide-se ouvir, descer e ver. Deus quer ouvir. O povo quer ser ouvido. Essa é a reciprocidade da oração.
É nesse cenário que Deus revela seu o nome (v.13-14). Ele é o “Eu sou o que Sou”, ou melhor, Ele é o Deus que acontece e que faz a história acontecer. É o Deus que age na história dos escravos e liberta-os da escravidão. Esse é o sentido do nome sagrado nesses v.13-14.
Nos v.15-16 o nome e a ação de Deus são melhor explicados:
15 E continuou falando Deus para Moisés: Assim dirás para aos filhos de Israel: Javé, o Deus dos vossos pais, o Deus de Abraão, Deus de Isaque, e o Deus de Jacó enviou-me para vós. Este é o meu nome para sempre, e este é o meu memorial de geração em geração.
16 Vá e reúna os anciãos de Israel, E dirás para eles: Javé, o Deus dos vossos pais, apareceu[6] para mim, o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, Dizendo: Realmente vos visitei e (tenho) agido[7] para vós (a favor de vós) no Egito.
Deus é “o Deus dos vossos pais”; esse é o seu “nome” (v.15). O Senhor é o Deus de.
Mas, no v.16, Deus se revela mais apropriadamente como o Deus Libertador: “Javé o Deus dos vossos pais apareceu para mim”. Importa que o Deus dos pais apareceu “para mim” (para Moisés).
As duas últimas frases do v.16 são significativas. A primeira frase: “realmente vos visitei”. O verbo “˜visitar”™ lembra a ação do ‘Deus dos pais’ (Veja Gn 21!). Mas a última frase refere-se especificamente o êxodo: “e (tenho) agido para vós (a favor de vós) no Egito”.
Portanto, Deus é o Deus que está na sarça ardente, na ‘terra santa’, mas é principalmente o Deus que está “no Egito”. Ele é o “Deus dos hebreus”, e vai ao encontro dos hebreus (veja Êx 3.18!). Assim, Deus é o ‘Deus de’.
No dizer de Jünger Moltmann, teólogo, ex-soldado e ex-prisioneiro da Segunda Guerra Mundial, o Deus cristão é o “Deus crucificado”. A teologia de Moltmann é muito interessante. Conhecida como a “teologia da esperança”, surgida a partir de sua experiência dolorosa de Moltmann como prisioneiro de guerra num campo de concentração na Inglaterra. Um repórter da revista Cristianismo Hoje perguntou ao teólogo: O senhor descobriu Cristo durante a última guerra. Em geral se consideram as experiências do mal como causas de afastamento de Deus. De que modo tais realidades podem aproximar-nos dele?
Resposta:
Aos 16 anos eu queria estudar matemática e a religião era muito distante do “˜laicismo“™ de minha casa. Em 1943 me alistei como soldado, e sobrevivi í tempestade que destruiu Hamburgo com 40.000 mortos. Quando o amigo junto a mim foi dilacerado por uma bomba, por primeira vez clamei a Deus...
Uma das grandes questões para Moltmann não é “como falar de Deus após Auschwitz?”, mas “como não falar de Deus após Auschwitz?” (Auschwitz foi um campo de concentração ao sul da Polônia durante a segunda guerra mundial; estima-se que um milhão e meio de pessoas tenham morrido ali, principalmente judeus e ciganos). Para Moltmann, falar de Deus depois de Auschwitz foi fundamental, pois a esperança em Deus foi a única coisa que o capacitou a vencer os tormentos de um campo de concentração. Afinal, são os tormentos que nos levam a gritar por Deus.
Moltmann menciona a novela Demônios, de Dostoiévski, para afirmar que um Deus que não pode sofrer é mais desgraçado do que qualquer homem. Em El Dios crucificado, o teólogo afirma que um Deus que não pode chorar é porque não tem lágrimas; e um Deus que não pode sofrer, também não pode amar. Esse Deus é o Deus de Aristóteles, o Motor Imóvel, mas não é o Deus de Jesus Cristo.
Moltmann relata sua experiência no campo de concentração foi decisiva para sua compreensão de Deus:
Ali li a Bíblia pela primeira vez. E me chegou a leitura dos salmos de lamentação. Li o Evangelho de Marcos e me encontrei com o grito de Jesus: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Soube prontamente:Aí há alguém que te compreende porque passou pela mesma situação sua e ainda pior. E quando, lentamente, fui entendo isso, pude exclamar em meu coração: Senhor meu e Deus meu” E por isso creio no Deus que compartilha nossa dor e sofre por nós e, desta maneira, nos dá nova certeza para viver…
Uma das grandes questões da teologia de Moltmann é: onde estava Deus, nos episódios de Auschwitz? Onde estava Deus quando os inocentes foram arrancados de suas casas, violentados, acorrentados, torturados e jogados naquele lugar frio, passando sede e fome? A essa pergunta, só existe uma única resposta: Deus estava lá, sofrendo com aquelas pessoas. Um Deus impassível se tornaria um demônio. “É Deus em Auschiwitz e Auschiwitz em Deus crucificado”, diz Moltmann.
Só assim o Deus cristão pode ser compreendido. Deus é o Deus de Abraão, Deus de Isaque; o Deus de Jacó; o Deus de Moisés; o Deus do pai de Moisés; o Deus dos hebreus; o Deus de Auschiwitz.
[1] Literalmente: ” ver eu vi”, tradução do verbo ra”™ah no infinitivo absoluto, seguido pelo mesmo verbo conjugado na primeira pessoa do singular.
[2] Hebraico “™ani: opressão, aflição.
[3] Hebraico se”˜aqah: clamor, grito de socorro.
[4] Hebraico mippene: diante das faces.
[5] Hebraico gam: também; até. Mas pode significar “em especial”.
[6] Hebraico ra”™ah: “olhar”, no nifal perfeito.
[7] Hebraico “˜asah: verbo qal participativo passivo masculino singular.